top of page

glossário

CONDOMÍNIOS FECHADOS

Condominios-Fechados.png

  Condomínios fechados e o descolamento da vida urbana. Montagem das autoras.  

[...] Nesse contexto, o surgimento do termo condomínio para designar levantamentos clandestinos de ordens variadas é uma entrada boa para pensar o crescimento de Brasília.
O debate acerca da adequação do termo condomínio para designar subdivisões de glebas rurais para fins de construção de residências com características eminentemente urbanas já aparece na mídia brasiliense ao final dos anos 1970 [...].

MOURA, Cristina Patriota de. "Condomínios" no DF: clubes, favelas ou cidades?. In: PAVIANI, Aldo et. al. (org.). Brasília 50 anos: da capital a metrópole. Brasília: Editora UnB, 2010a. p. 281-301. [ p. 282-283 ]

Camile Viana

Heloisa Goulart

A respeito do termo “condomínio fechado”, é importante ressaltar que não existe um consenso entre autoras e autores sobre um marco para seu surgimento. Entretanto, a existência do termo está intimamente ligada ao sentimento de vida em comunidade e a certo ideal moderno de vida urbana, muito associado aos suburbs estadunidenses do final da década de 1990.

No ano de 1997, os autores norte-americanos Edward Blakely e Mary Gail Snyder publicaram o livro “Fortress America” (Fortaleza Estados Unidos, em tradução livre) em que usavam o termo “gated communities” para se referir a “conjuntos de unidades residenciais com perímetros definidos por muros, cercas e aparatos de segurança privados” (BLAKELY; SNYDER, 1997, p. 2). Após a publicação do livro, o termo se consolidou internacionalmente e cremos que seja uma base relevante para a definição que temos atualmente de condomínios fechados.

Para entendermos melhor esse conceito, analisaremos primeiro alguns pontos. Esse tipo de ocupação pode ser entendido no âmbito do fenômeno da dispersão do tecido urbano, que segundo Nestor Goular Reis Filho, possui como principais características:

[...] (1) descentralização da população, do emprego e dos serviços; (2) produção de “novas periferias”; (3) extensão da área urbanizada por vasto território, separadas fisicamente, mas fortemente interdependentes, formando um sistema urbano único; (4) desenvolvimento de novos modos de vida, viabilizados pela maior mobilidade (especialmente a individual), “organizando seu cotidiano em escala metropolitana e intermetropolitana, envolvendo diversos municípios”; (5) novas formas de organização urbanística: condomínios e loteamentos fechados, empreendimentos de usos múltiplos isolados, shoppings centers – alteração das relações público – privado. (REIS FILHO, 2006 apud PESCATORI; FARIA, 2019, p. 5)

Em síntese, ainda de acordo com Reis Filho, a dispersão urbana é entendida enquanto “extensão dos tecidos urbanos por vastos territórios, separados no espaço, mas mantendo estreitos vínculos entre si, como partes de um único sistema urbano” (REIS FILHO, 2006, p. 12 apud PESCATORI; FARIA, 2019, p. 4). Pescatori e Faria estudam essa forma de dispersão como um fenômeno histórico, analisando precedentes históricos de dispersão urbana. Os autores reconhecem suas bases na Cidade Linear de Soria y Mata, no aparecimento dos subúrbios jardins de inspiração em Ebenezer Howard, bem como na atuação da iniciativa privada e da especulação imobiliária na produção da cidade, muitas vezes, articulada com o poder público (PESCATORI; FARIA, 2020).

Nesse contexto, os condomínios fechados fomentam a dispersão do tecido urbano, pois seus moradores, em busca de uma alternativa à vida nos centros das grandes cidades, são os consumidores dessa modalidade de urbanização situada dos limites das cidades.

Em Brasília, uma cidade planejada e construída com base em uma organização territorial dispersa, os condomínios fechados surgiram durante a década de 1970, devido à prática de invasões e ocupações clandestinas promovidas por grileiros, pelo Estado e por “ingênuos compradores ludibriados” (MOURA, 2010b). As compras dessas terras se fizeram em parcelamentos rurais mais afastados do centro urbano da cidade. Dessa forma, à medida que foram se constituindo os condomínios configurou-se uma dispersão da moradia pelo território do Distrito Federal. Como os mapas das Figuras 1 e 2 elucidam, a dispersão se tornou a principal forma de crescimento da cidade nos últimos 40 anos.

[ Fig. 1 ]
Mapa 1. Ocupação urbana no Distrito Federal em 1975. Produzido pelas autoras.

[ Fig. 2 ]
Mapa 2. Ocupação urbana no Distrito Federal em 2018. Produzido pelas autoras.

Por meio desse crescimento surgiram grandes condomínios, hoje já consolidados e regularizados, como é o caso do Jardim Botânico, Grande Colorado, Boa Vista e São Bartolomeu. Em dados apresentados no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), identificaram-se, oficialmente, 513 condomínios fechados no Distrito Federal (GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL, 2009). No entanto, é difícil calculá-los, pois existem muito mais parcelamentos não formalizados que também são chamados de condomínios, totalizando um montante que pode ultrapassar 1.000 unidades residenciais no DF.

Além dessas formas de ocupação das parcelas anteriormente rurais, observamos a criação de condomínios fechados pela iniciativa de empresas urbanizadoras na capital, promovendo o deslocamento das camadas médias para fora do Pano Piloto, fenômeno ainda mais típico da dispersão urbana.

Um exemplo desse tipo de empreendimento é o condomínio Alphaville, localizado no entorno do Distrito Federal, distante a 38 km do centro de Brasília, próximo à Cidade Ocidental. O Alphaville Brasília é um condomínio de luxo que oferece aos seus moradores uma estrutura com piscinas, quadras poliesportivas, cinema, sauna, squash, entre outros, em uma área de 20 milhões de metros quadrados. Como na classificação de Reis Filho, a implantação do condomínio não se conecta com os núcleos urbanos consolidados próximos, como a Cidade Ocidental, e estende a área urbanizada do DF para além dos limites pré-estabelecidos, como demonstra o mapa da Figura 3.

[ Fig. 3 ]
Mapa 3. Localização do Condomínio Alphaville Brasília. Produzido pelas autoras.

[ jan. 2022 ]

remissivos

A atuação da iniciativa privada é destacada no estudo de Pescatori e Abreu ao analisar a atuação e o modus operandi da maior empresa urbanizadora do país, a Alphaville S.A.:

[...] [A]nalisamos a atuação da Alphaville Urbanismo S.A. para argumentar que ela exerceu, e permanece exercendo, papel fundamental na configuração da cidade contemporânea brasileira, por meio de: 1) difusão de um tipo de urbanização – o condomínio residencial horizontal fechado, contribuindo para a configuração – cada vez mais homogênea e similar – da paisagem das cidades brasileiras; 2) o estabelecimento de um padrão urbanístico e gerencial assimilado por outros empreendimentos e empresas urbanizadoras em todo o país; 3) ampliação da atuação de empresas privadas de urbanização, que antes era responsável por construir partes da cidade de acordo com planos e projetos governamentais, e passa a determinar pontos fundamentais do planejamento urbanístico, construindo cidades inteiras. (PESCATORI; ABREU, 2016, p. 3)

O entendimento do conceito dos condomínios fechados nos leva a refletir qual seria sua contribuição para a dispersão urbana, e em que medida atuam no enfraquecimento da ideia de cidades compactas. Especialmente em Brasília, cidade modernista e dispersa, criada sob o paradigma de centro-rico e periferia-pobre, a inserção dos condomínios fechados reafirma essa  estrutura de cidade, trazendo as camadas médias para os arredores do centro urbano, entretanto, sem a promoção da integração com o espaço urbano local consolidado. Ao analisar a inserção do Condomínio Alphaville na Cidade Ocidental, vemos que a tríade de moradia, lazer e conveniência proposta pela urbanizadora serve apenas a uma seleta camada de habitantes de dentro dos seus muros, separando-os do que e de quem está em seu entorno.

Entendemos ainda que, no Brasil, a discussão sobre a lógica dos condomínios fechados precisa abarcar desde os bairros-jardim da Companhia City em São Paulo aos empreendimentos urbanizadores que consolidam a Alphaville S.A.. Atrelado a ocupações irregulares, os loteamentos privados que concretizam os condomínios fechados têm como público-alvo tanto as classes médias e altas quanto a população de baixa renda. É possível questionar a que ponto a proliferação dos condomínios fechados têm alterado a lógica das cidades, pois até mesmo as propostas de habitação social são concebidas segundo esse tipo de urbanização.

referências

BLAKELY, Edward James; SNYDER, Mary Gail. Fortress America: gated communities in the United States. Washington: Brookings Institution Press, 1997.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal – PDOT. Lei Complementar nº 803/2009, atualizada pelos dispositivos da Lei Complementar 854/2012, conforme publicado pela CLDF para consulta. Brasília: Câmara Legislativa do Distrito Federal, 2009. Disponível em: https://www.seduh.df.gov.br/plano-diretor-de-ordenamento-territorial/ | Acesso em: 16 dez. 2021.

MOURA, Cristina Patriota de. “Condomínios” no DF: clubes, favelas ou cidades?. In: PAVIANI, Aldo; BARRETO, Frederico Flósculo; FERREIRA, Ignez Costa Barbosa; CIDADE, Lucia Cony Faria; JATOBÁ, Sérgio Ulysses (org.). Brasília 50 anos: da capital a metrópole. Brasília: Editora UnB, 2010a. p. 281-301.

MOURA, Cristina Patriota de. Condomínios e Gated Communities: por uma antropologia das novas composições urbanas. Anuário Antropológico, Brasília, v. 35, n. 2. p. 209-233, 2010b. Disponível em: https://journals.openedition.org/aa/970 | Acesso em: 16 dez. 2021.

PESCATORI, Carolina. Cidade compacta e cidade dispersa: ponderações sobre o projeto do Alphaville Brasília. RBEUR: Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, v. 17, n. 2. p. 40-62, mai./ ago. 2015. Disponível em: https://rbeur.anpur.org.br/rbeur/article/view/4995 | Acesso em: 16 dez. 2021.

PESCATORI, Carolina; ABREU, Lucas Batista de. Da construtora Albuquerque e Takaoka à Alphaville Urbanismo S.A.: reestruturação e expansão nacional de um modelo de urbanização. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPARQ, 4., Anais [...]. Porto Alegre, 2016. Disponível em: https://www.anparq.org.br/dvd-enanparq-4/SESSAO%2045/S45-05-PESCATORI,%20C;%20BATISTA%20DE%20ABREU,%20L.pdf | Acesso em: 16 dez. 2021.

PESCATORI, Carolina; FARIA, Rodrigo de. Por uma leitura historiográfica da dispersão urbana. Jatobá: Revista do Programa de Pós-gradução Projeto Cidade, v. 1, p. 1-20, 2019. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/revjat/article/view/61697 | Acesso em: 16 dez. 2021.

PESCATORI, Carolina; FARIA, Rodrigo de. Dispersão urbana e empresas urbanizadoras na cidade industrial: a atuação da Compañía Madrileña de Urbanización, da Garden City Pioneer Company, da First Garden City Ltda e da Cia City. RBEUR: Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, [S.l.], v. 22, p. 1-26, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202019 | Acesso em: 16 dez. 2021.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Notas sobre urbanização dispersa e novas formas de tecido urbano. São Paulo: Via das Artes, 2006.

REIS FILHO, Nestor Goulart; TANAKA, Marta Maria Soban; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (org,). Brasil: estudos sobre dispersão urbana. São Paulo: FAU-USP, 2007.

bottom of page